Acontece com os livros o mesmo que com os homens: Um pequeno grupo desempenha um grande papel (Voltaire)

segunda-feira, maio 23, 2005

Um fim-de-semana em cheio

No sábado, com velhos e bons amigos, barriguinhas cheias, bebidas, cantigas, danças e andanças, em suma, a felicidade dos outros, que é também a nossa. Aquele abraço para Pinto e Suzy. Nós somos para sempre.
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Domingo, praia e hedonismo. Ao fim da tarde, princípio da noite, o Benfica sagrou-se campeão depois de 11 anos de interregno. Novamente com os amigos; caracóis, tremoços, abraços e a felicidade partilhada, comungada. Noite alta, Bairro Alto. Noite mais alta ainda, Estádio da Luz. Recebemos a equipa na Catedral. A festa e a organização do evento de recepção aos jogadores estava a correr às mil maravilhas. Muita música, bandas e artistas em playback, mas o sistema de som era excelente. Ainda lá vi, entre muitos outros, os Peste e Sida (na versão Sanpayo - orgulhosamente só), e os Da Weasel, antes dos UHF, que fecharam as actuações para a entrada dos jogadores em campo, um por um. Festejos absolutos. O estádio cheio - à excepção do anel intermédio de cativos, cadeiras almofadadas, pois claro. As portas estavam abertas a todos. Entrada livre. Viam-se bandos, gangs na real acepção da palavra. Não puxavam pela equipa da casa, mas pela sua: F.C. Amigos do Alheio. Eu estava a tirar fotos com o telemóvel. O Gaspar fazia o mesmo. Senti a presença de meia-dúzia de indivíduos de raça negra que desciam as escadas de acesso às bancadas do primeiro anel, completamente desinteressados do espectáculo dentro das quatro linhas, mas muito atentos a quem fruía aquele momento, especialmente aqueles que o tentavam imortalizar numa imagem, recorrendo ao telemóvel. Ia começar a ouvir-se o Piçarra. Pressenti o perigo, guardei o meu telemóvel e virei-me de imediato de costas para o relvado, de frente para o Gaspar, que estava atrás de mim. Nesse segundo, vejo um dos larápios espreitar por cima do ombro do Casper e esticar a mãozinha para lhe surripiar o aparelho. Tive um repente, afastei o malfeitor e alertei o meu amigo, provavelmente com um «Cuidado, Gaspar!» Na confusão dos encontrões, o delicado telemóvel cai por entre um rol de cadeiras à nossa frente. Fizemos barreira com o corpo e os bandidos desceram as escadas de acesso para se quedarem mais abaixo, junto ao relvado, imagino que já premeditando o chocante assalto que perpetraram. Não lhe poderão chamar "invasão de estádio". Essa dá-se ou no jogo em que o campeão se sagra, ou na última partida da época que o campeão jogue na própria casa. Acredito que muitos dos que estragaram a festa não fossem sequer simpatizantes do Benfica. Selvaticamente destruiram vedações, saltearam o campo, os jogadores, a equipa técnica, a direcção, os jornalistas e alguns vips que estariam junto ao palco no centro do terreno, festejando. A festa acabou por aí. Apesar da estupefacção e do assombro dos verdadeiros benfiquistas, da enorme vaia de assobios e do "bruá" ensurdecedor, os pelintras não abandonaram o relvado; pelo contrário. O locutor de serviço tinha a voz embargada em dissabor e, constatando a total falta de benfiquismo dos piratas do estádio, apelava: «O Benfica não merece isto. Portugal não merece isto. A nossa selecção vai jogar em breve neste estádio. Por favor abandonem o relvado.» Nada. O argumento "selecção" também não surtiu efeito. Resumindo, o Gaspar ainda ficou com o telemóvel mas não mais conseguiu bater palmas entusiasticamente ou entoar cânticos. Foi-se-lhe o sorriso do rosto. Estava incomodado e já não se sentia em casa, a celebrar entre amigos. Abandonámos o estádio atentos e de mãos nos bolsos. Mesmo assim valeu a pena. Benfica campeão!